Preconceito leva 70% dos terreiros a viverem na clandestinidade

Por Yuri Ramires

Cerca de 70% dos centros onde são realizados os cultos religiosos afro-brasileiros na Baixada Cuiabana funcionam na clandestinidade. A afirmação é de Aécio Montezuma, presidente da Federação Nacional de Umbanda e dos Cultos Afro Brasileiros (Fenucab).

O motivo, segundo ele, é a intolerância religiosa. “Hoje, na Baixada Cuiabana, centenas de terreiros estão na clandestinidade devido ao preconceito que cerca a umbanda e o candomblé, bem como seus praticantes”, disse.

Em razão desse preconceito, Aécio relatou que grande parte dos terreiros estão localizados em áreas mais afastadas do centro, em regiões rurais ou periféricas. “A falta de conhecimento gera a intolerância, e muitos preferem se manter mais discretos”.

Conforme Aécio, desde o começo da umbanda, por exemplo, pais ensinaram os filhos que precisam ser discretos na hora do culto. “Seja para rezar, para tocar o tambor, ou qualquer outro tipo de manifestação da religião que possa trazer uma reação negativa da população”.

Apesar de exigir uma legislação que assegure a manifestação religiosa da umbanda e do candomblé, há aqueles praticantes que sentem na pele o preconceito.

Pai Abraão que, há dois anos está com um terreiro no Bairro Ponte Nova, em Várzea Grande, foi um deles. Ele lembrou de um episódio que aconteceu no Terreiro de Mãe Preta, no distrito do Sucuri.

“Nos reunimos no terreiro para um culto, a pedidos de Mãe Preta, que passava por dificuldades. No meio da celebração, começamos a ser apedrejados por um vizinho”, contou.

Segundo Abraão, o homem, evangélico, proferiu diversos xingamentos de cunho racista e de senso comum contra a religião.

“Foi muito triste, o terreiro estava lotado, as pedras atingiram as pessoas que estavam ali. A polícia foi acionada, mas só para apaziguar a situação, pois nada mais aconteceu”.

Ele afirma que casos de intolerância contra as religiões de matriz africana são registrados todos os dias.
Violência física

Quem também contou ter sido vítima de intolerância religiosa foi Pai Tata, praticante da umbanda há 15 anos. Ele disse que tentaram assassiná-lo no Bairro Asa Bela, em Várzea Grande.

Há cerca de um mês, ele estava em sua casa, onde funciona o terreiro, quando um homem não identificado efetuou disparos na porta do local.

Os tiros atingiram apenas a fachada da residência. Para Tata, não há dúvidas de que a ação foi motivada pela intolerância religiosa, uma vez que ele disse não ter "problemas de outras naturezas”.

“Eles quiseram me dar um susto. Mas não tenho nenhum problema com meus vizinhos, todos sabem que aqui funciona um centro de umbanda. Foi a única ocorrência do tipo nesses anos”, ressaltou.

Falta de preparo

Segundo Aécio, ocorrências dessa natureza quase não são denunciadas. “As vítimas têm receio da autoridade policial, que não está preparada para atender uma ocorrência desse tipo, não só envolvendo casos de intolerância religiosa, mas também de homofobia, xenofobia e crimes contra minorias”.

Para ele, cada dia é um problema novo. Por presidir a federação, as ocorrências acabam sendo levadas a ele. “Dia desses, um terreiro foi invadido por policiais e a ministra foi presa e autuada por injúria”.

O incidente ocorreu, de acordo com Pai Aécio, porque a mulher teve seu terreiro apedrejado pelo vizinho e foi tirar satisfações.

“Após uma discussão acalorada, a polícia foi acionada e a prendeu dentro do terreiro, sendo que ela é a vítima dessa situação toda”.

Em Mato Grosso, a Polícia Civil é responsável por investigar os crimes motivados pela intolerância, mas, há cerca de um mês, o setor está sem um delegado – já que Luciano Inácio da Silva foi cedido ao Governo Federal – para cuidar dos casos.

“Nos reunimos com o secretário de Segurança Pública (Sesp), Rogers Jarbas, para cobrar um novo profissional para atender a demanda, que é urgente devido ao aumento de casos de intolerância”.

O MidiaNews entrou em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Civil e foi informado de que ainda não foi definido um nome para cuidar destes tipos de crimes.

Por enquanto, os casos estão sob os cuidados da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

Macumba é instrumento musical

Em meio a consolidação da religião e seu crescimento nos grandes centros, muita boataria se espalhou. Um desses boatos é de que os praticantes fazem “macumbas”, o que, no senso comum, se assemelha a uma espécie de "feitiçaria".

Todavia, Aécio explicou que, na verdade, "macumba" é apenas um instrumento musical.

“Quando tocado, soa em forma de tambores. Na origem da religião, quando os cultos começavam, as macumbas eram tocadas, começaram a usar de forma pejorativa, nos chamando de macumbeiros”, lembrou.

Algo que também reforçou o lado negativo da religião está no fato da palavra macumba ter o prefixo má – que lembra maldade. “Então, caracterizou-se uma forma negativa, que em nossos cultos, fazemos maldades”.

Porém, ele ressaltou que não há nenhuma prática de maldade dentro dos terreiros. “Muito pelo contrário, maldade tem muitas pessoas que nos procuraram”.

Aécio tem 57 anos e é policial civil aposentado. Há pelo menos 45 anos se dedica aos estudos e à filosofia da umbanda, religião que ele classifica como “uma junção do catolicismo, espiritismo e indianismo, e da cultura afro”.

“É uma religião que vive em processo evolutivo, que abraça todos os tipos de pessoas, sem nenhum tipo de preconceito, diferente do que vem acontecendo em outras religiões, por exemplo”, lembrou.

Braços abertos

Por não impor regras à sua prática, tanto a umbanda quanto o candomblé acabam sendo abraçados pelas minorias (como LGBTs e negros), fato que, segundo Aécio, acaba despertando ainda mais a “revolta” dos demais religiosos.

“Quando essas minorias se juntam, deixam de ser minorias. Os religiosos temem que a gente cresça e tome o poder, uma vez que são maioria e podem decidir os caminhos do país”.

Aécio faz referência às bancadas católica e evangélica, que, nos últimos anos, ganharam força na política nacional e são capazes de decidir “o que é e o que não é certo” com base em suas crenças.

Carta magna da umbanda

Um movimento nacional de umbandistas busca o reconhecimento da religião de forma legítima e segura, “criando uma unidade e agregando informações pertinentes ao benefício da umbanda”.

FONTE: Mídia News em 28/08/2016

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