Aumenta o número de denúncias de intolerância religiosa no Amazonas

Manaus - No Amazonas, mais de 50% das denúncias de intolerância religiosa foram registradas pelos seguidores de crenças de matrizes africanas. As ocorrências foram registradas por eles nos primeiros sete meses deste ano, segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR). Nos últimos dois anos, 552 denúncias de intolerância religiosa foram recebidas pelo Disque 100 SDH. Neste domingo, em que se comemora o Dia da Consciência Negra, lideranças religiosas reclamam do racismo e preconceito religioso sofrido no Estado.

O número de queixas feitas pelo disque 100 este ano já superou o número de todo o ano de 2015. A SDH informou que, no ano passado, 252 notificações de intolerância religiosa foram feitas no Amazonas - 33% delas tinham como referência crenças afro-brasileiras. –Já de janeiro a setembro de 2016, 300 denúncias deste tipo de violação de direitos tinham sido registradas e a proporção de preconceito contra as religiões afrodescendente aumentou, passando para 51% das queixas.

Praticantes do candomblé, religião afro-brasileira, foram os que mais registraram reivindicações no Disque 100, com 26% dos casos. A umbanda foi a segunda religião com maior número de reclamações, no primeiro semestre deste ano, 65 pessoas do Estado registraram a violação de direitos.

Cerca de 15 pais e mães de santo sofreram crimes de intolerância religiosa em Manaus, nos últimos dez anos, segundo levantamento da Articulação Amazônica de Povos Tradicionais de Matriz Africana (Aratrama). Segundo a organização, existem cerca de 400 terreiros na capital.

Para o coordenador-geral da Aratrama, Alberto Jorge, a intolerância é resultado de ódio religioso e racismo. Os terreiros e espaços onde ocorrem os cultos e cerimônias religiosas, constantemente, têm sido alvos de atentados, e registros de perseguições e ameaças contra pais de santo e demais praticantes, inclusive partindo de grupos de outras religiões.

“Somos perseguidos, isso afeta inclusive os quilombolas. Existem vários aspectos sociológicos, para explicar a origem do preconceito com as religiões de matrizes africanas. Até o demônio é preto, tinha o diabo preto da idade média. Na própria história existe a demonização da pessoa negra, colocando os negros em uma situação de inferioridade, foi preciso uma bula papal para atestar que os negros tinham alma”, criticou.

Crime

Em 2014, o pai de santo Rafael da Silva Medeiros foi assassinado com golpes de faca no pescoço, o crime, segundo Alberto, foi motivado pela intolerância religiosa. Conforme o coordenador, a vizinha, mãe do acusado de ter assassinado Rafael, já havia insultado os povos do terreiro diversas vezes.

Em março do ano passado, uma tentativa de assassinato também evidenciou, conforme Alberto, a intolerância religiosa sofrida pelos seguidores das religiões afrodescendentes na capital. De acordo com ele, o pai de santo Josiano Pereira foi esfaqueado por um adolescente, enquanto pegava folhas para um banho, trajado com roupas típicas da religião.

“Ele esfaqueou o pai Josiano gritando que macumbeiro gay tem que morrer, porque é uma abominação para Deus”, relatou.

Em 2014, o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) recomendou aos órgãos de segurança pública a capacitação das Polícias Civil e Militar para tratar de atos de intolerância contra comunidades de terreiro. O passo, na avaliação de Alberto, foi importante para acabar com a prática da população de ligar para a polícia durante os rituais.

“As pessoas se incomodam quando começamos a bater os tambores, nos acusam de sacrifício de animais e antes desse curso a polícia ia entrando nos terreiros mandando parar com o barulho. Acontece que o barulho é muito mais baixo que de muitas igrejas evangélicas, não usamos nenhuma caixa amplificadora, nem microfone como eles”, comparou.

Ainda segundo o coordenador, os rituais utilizam na oferenda apenas animais que serão consumidos, pois assim trata a cultura do candomblé.

Tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Alberto acredita que a discussão sobre intolerância religiosa e o preconceito sofrido pelos praticantes ainda é pequeno no País e no Estado.

“Nós carregamos uma tradição, minha bisavó era escrava e eu trouxe isso comigo, essa bagagem cultural. Discute-se muito pouco sobre isso ainda”, afirmou.

Além da capacitação, o MPF recomendou a existência de espaços para recebimento das denúncias de crimes de intolerância religiosa, com tratamento especializado para a questão, que, segundo o órgão, não deve ser considerada de forma isolada. Mas, segundo a Aratrama, a recomendação nunca saiu do papel.

O delegado-geral da Polícia Civil (PC), Francisco Sobrinho, desmentiu a informação e afirmou que o acompanhamento deste tipo de caso estava sendo realizado na Delegacia Especializada em Ordem Política e Social (Deops).

Manaus tem programação cultural especial em novembro

Em Manaus, diversos eventos vão acontecer no Mês da Consciência Negra. O movimento negro dos quilombolas da Praça 14 realiza, hoje, uma feijoada. O almoço coletivo será iniciado, às 11h, na Avenida Japurá, Praça 14, zona sul.

Segundo a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), na terça-feira (22), será realizado um colóquio sobre políticas afirmativas – promoção da igualdade racial na Escola Superior de Advocacia do Amazonas (Esa), Rua São Benedito, 99 - Adrianópolis, zona centro-sul, no horário das 14h às 22h.

No dia 28 deste mês, um encontro com as religiões de matriz africana pretende discutir a intolerância religiosa. A reunião vai ocorrer no auditório da Secretaria Municipal de Educação (Semed), das 13h30 às 17h.

Para fechar a programação do mês, a Semed promove o encontro Sankofa – Ressignificando o Passado, Reescrevendo a História - no dia 30 deste mês, no auditório do órgão na Avenida Mario Ypiranga, zona centro-sul. A programação se inicia às 8h30 até 11h30, retomando as atividades a partir das 13h30 até as 17h.

Universitários realizam mostra cultural da diversidade

Para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra, os alunos do curso de Pedagogia da Faculdade Estácio realizam a ‘1ª Mostra Cultural da Diversidade’, que será realizada no espaço de convivência da unidade, na Avenida Djalma Batista, amanhã, das 18h30 às 22h. O evento vai contar com uma programação composta por atividades que valorizam as expressões culturais de povos indígenas e afrodescendentes.

De acordo com a faculdade, a mostra é resultado do trabalho desenvolvido na disciplina Cultura Brasileira e História dos Povos Indígenas e Afrodescendentes. “Vimos a necessidade de criar um espaço para discutir as diferenças étnico-raciais, culturais e religiosas”, destacou a professora Eliana Vitar, que ministra a disciplina e é responsável pela mostra, organizada pelos universitários de Pedagogia.

Durante o evento, o público poderá conferir exposições de fotografias e de artesanato, degustação de comidas típicas e outros tipos de manifestações culturais dos povos indígenas e afrodescendentes.

FONTE: d24am EM 24/11/2017

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