STF arquiva ação penal contra padre acusado por discriminação religiosa

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta terça-feira o arquivamento de uma ação penal que investigava o padre da Igreja Católica Jonas Abib por incitação à discriminação religiosa. O Ministério Público denunciou o padre porque, no livro “Sim, Sim, Não, Não – Reflexões de cura e libertação”, publicado em 2007, ele faz declarações ofensivas a adeptos do espiritismo e de religiões de origem africana. Por quatro votos a um, a Segunda Turma do STF entendeu que, embora preconceituosas, as declarações do religioso não configuram crime.

A ação penal foi aberta na Justiça comum de Salvador. Segundo o Ministério Público o livro contém “clara ofensa e desrespeito à doutrina espírita e sua liturgia”. Ainda de acordo com os acusadores, “informações inverídicas e preconceituosas são dirigidas às religiões de matriz africana, além de se verificar flagrante incitação à destruição e desrespeito aos seus objetos de culto”.

No livro, o padre declara que o demônio se manifesta por meio de religiões africanas e do espiritismo. “O demônio, dizem muitos, ‘não é nada criativo’. Ele continua usando o mesmo disfarce. Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde nos rituais e nas práticas do espiritismo, da umbanda, do candomblé e de outras formas de espiritismo. Todas essas formas de espiritismo têm em comum a consulta aos espíritos e a reencarnação”, escreveu o religioso.

A defesa do padre recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo o arquivamento da ação penal, alegando que a denúncia não teria dito “onde começou a discriminação punível criminalmente”. O STJ não atendeu ao pedido e a defesa recorreu ao STF.

O relator do pedido, ministro Edson Fachin, ressaltou que a liberdade religiosa é protegida pela Constituição Federal. Ele ponderou que a liberdade de expressão permite críticas a uma determinada religião sem que isso configure crime. Para o ministro, embora o ponto de vista do padre seja “preconceituoso, intolerante, pedante e prepotente”, ele não cometeu crime.

– Não se verifica explicitação de intenção de que católicos procedam à eliminação de pessoas adeptas ao espiritismo – explicou o relator.

Votaram da mesma forma os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio e Luís Roberto Barroso. Todos afirmaram que as declarações do padre são preconceituosas, embora não sejam criminosas. Apenas Luiz Fux defendeu que o padre continuasse respondendo judicialmente pela prática de crime.

– Tamanha intolerância a ser repudiada não chega às raias de atrair a aplicação do direito penal – disse Rosa.

Barroso declarou que os espíritas não são um grupo historicamente perseguido para ser protegido pela legislação como grupo vulnerável. Ele ressaltou que, se as declarações tivessem sido dadas contra negros ou homossexuais, uma “luz amarela” se acenderia. O ministro afirmou que a liberdade de expressão serve para resguardar a opinião de qualquer pessoa, inclusive de quem tem posições equivocadas.

– A liberdade de expressão não protege apenas as falas de bom gosto, mas a liberdade de expressão existe para proteger quem pensa diferente de mim. Embora ache que a fala do padre ultrapasse todos os limites do erro escusável, ela não ultrapassa o limite do crime – disse Barroso.

Antes de começar a votação, o advogado Belisário dos Santos, que defende o padre, chamou a denúncia de “desleal”. Ele também afirmou que o livro é uma forma de “exercício das liberdades de expressão religiosa e da manifestação do pensamento” e não tem elementos de preconceito ou discriminação.

— A denúncia é desleal. Pega frases e textos em páginas separadas e reúne tudo. O livro é um diálogo de um padre com os seus seguidores. O livro é dedicado a católicos indecisos – argumentou.


FONTE: Jornal O Globo em 29/11/2016

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