Estado do Rio tem uma denúncia de intolerância religiosa a cada dois dias








Por Diana Ferraz


Nos últimos dois meses, tempo de existência do Disque Combate ao Preconceito, a Secretaria estadual de Direitos Humanos (SEDHMI) recebeu 42 denúncias de intolerância religiosa — em média, uma a cada dois dias — feitas através do canal telefônico, das redes sociais e presencialmente. De acordo com a SEDHMI, 10% dos casos são de autoria de traficantes.

Em setembro, uma série de ataques contra centros de religiões de matriz africana ocorreram no período de duas semanas, em diferentes pontos de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.


A Polícia Civil identificou parte dos suspeitos como pessoas ligadas ao tráfico de drogas. No mesmo mês, circulou nas redes sociais um vídeo que mostrava criminosos mandando um homem depredar um centro espírita. As imagens teriam sido feitas no Morro do Dendê, na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio.

Casos como esses continuam a aparecer no estado. Há três semanas, a SEDHMI recebeu denúncia vinda de Itaguaí, na Baixada, de que bandidos teriam dado um prazo de três dias para a retirada de todos os artefatos religiosos de um terreiro. Segundo a vítima, que não quis se identificar, a mesma ameaça foi feita a outros centros de umbanda e candomblé na região. Na semana anterior, em Tanguá, um centro espírita foi invadido e mais de 50 imagens foram destruídas. Segundo a secretaria, este caso também foi uma ação comandada por traficantes.

Perseguição é antiga

A relação entre intolerância religiosa e tráfico, porém, não começou em setembro. Em 2013, traficantes de favelas da Zona Norte do Rio proibiram o candomblé e até o uso de roupas brancas em seus territórios, expulsando pais e mães de santo das comunidades. Segundo as vítimas, a perseguição estaria relacionada com a conversão de criminosos a religiões evangélicas.

Em janeiro deste ano, um pai de santo foi comunicado por traficantes que as atividades de seu terreiro, que existia há 12 anos num bairro da Zona Norte, teriam de ser interrompidas.

Aplicativo recebe denúncias

Para dar conta dos casos de intolerância religiosa que o poder público não consegue punir ou mesmo identificar no país, um candomblecista carioca criou o aplicativo “Oro Orum — Axé eu respeito”. A ferramenta, que foi lançada no último dia 13 e já teve mais de 1.300 downloads e 343 casas de candomblé cadastradas, pretende mapear terreiros e instituições religiosas do Brasil todo para formar uma rede contra o preconceito.


— Em seis dias, foram 11 denúncias pelo aplicativo e quatro pelo Whatsapp. Os relatos vieram do Maranhão, da Bahia, do Espírito Santo, de São Paulo e Rio de Janeiro — conta o criador da ferramenta, Léo Akin Olakunde, de 24 anos.

Segundo ele, a função do aplicativo é fazer o acompanhamento das vítimas:

— A ideia é ajudar a encaminhar os casos para advogados, delegacias ou para o Ministério Público, dependendo da situação — diz.

Léo vem mobilizando pessoas ligadas a direitos humanos em diferentes estados para formar uma rede de apoio para abraçar a causa. Além de uma ferramenta para selecionar o tipo de agressor (por religião) e de agressão, o aplicativo oferece aos usuários do Rio o botão SOS, que aciona as pessoas mais próximas, em caso de emergência.

Aplicativo idealizado por Léo oferece rede de apoio a vítimas Foto: Reprodução



Aplicativo oferece rede de apoio Foto: Reprodução



Estatísticas ainda pouco precisas

No Brasil, o número de denúncias desse tipo recebidas pelo Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos subiu de 15, em 2011, para 759, em 2016. No Rio, segundo o secretário estadual de Direitos Humanos, Átila Alexandre Nunes, as estatísticas ainda não refletem a realidade, pois a Polícia Civil não tem um sistema que permita identificar com precisão as motivações por trás de injúrias por preconceito registradas nas delegacias.

— O código penal inclui as injúrias por intolerância religiosa na mesma tipificação que injúrias por quaisquer tipos de preconceito e isso torna muito mais difícil o mapeamento dos casos — diz o secretário, que já encaminhou à Polícia Civil a sugestão de um sistema de classificação de motivações para esse tipo de ocorrência.

Segundo Átila, os casos denunciados à Secretaria — a cujas vítimas o órgão oferece acompanhamento jurídico e psicológico, além da mediação com instituições públicas para facilitar as investigações — envolvem diferentes tipos de violência, que vão de bullying na escola e ameaças a ataques a terreiros e agressões físicas.

Dona de um centro de candomblé em Cascadura, Mam’etu Kavbunjena, há duas semanas, teve seu terreiro atacado por um vizinho que jogou um ovo no local.

— A casa estava cheia de crianças e idosos. Isso nunca havia acontecido, sempre fomos respeitados pela vizinhança. Agora tememos por nossa segurança — contou.

FONTE: Jornal Extra em 05/11/2017

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