Caminhada prega união das religiões

Eu cá não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio”. A frase é do escritor Guimarães Rosa, porém, citada durante a 3ª Caminhada pela Liberdade Religiosa, na manhã de ontem, expressa com clareza a intenção dos participantes pedindo o fim da intolerância contra as várias formas de religião. Organizados em círculo, representantes do candomblé, Hare Krishna, do catolicismo e da igreja evangélica não só destacavam os princípios que permeiam suas crenças, mas também, cultuavam o mesmo Deus, em vários nomes.

Motivado pelos princípios da religião, o empresário Francisco Virgino, ou Sridhara Dassa (como é identificado na religião), abraçou os ensinamentos do Hare Krishna ainda aos 16 anos. Desde cedo teve que aprender a lidar com a intolerância para seguir os ensinamentos de Krishna em uma família com maioria católica. Passados alguns anos de sua escolha, muita coisa mudou, ainda assim, muito ainda precisa mudar. “A discriminação acontece, sim, mas de uma forma mais velada do que há vinte anos, quando era mais escancarada”, critica. “Quando aderi à religião tive que ir pro campo de batalha praticamente. Como eu tinha 16 anos, diziam que tinham feito lavagem cerebral em mim... tive que ter jogo de cintura”.

Apesar das dificuldades encontradas para se afirmar na religião escolhida, ele acredita que ainda há determinadas religiões que sofrem mais preconceito. “As religiões afro continuam sendo as mais discriminadas”, diz ao lembrar que os ensinamentos do Hare Krishna pregam justamente o contrário à discriminação. “O ensinamento é que todos os seres são partes integrantes de Deus e que nós vamos encontrar a felicidade estando em comunhão com Ele”.

De família com tradição no candomblé, a diarista Maria Ivete Leite, ou Kgangarmiro, reconhece o preconceito contra a religião que pratica. “Não chegam diretamente para gente e falam alguma coisa, mas comentam com outras pessoas”. Para ela, o olhar desconfiado para o candomblé é por desconhecimento. “Misturam o candomblé e a macumba. Na nossa vestimenta você já vê que pregamos a paz e a harmonia para todos nós”.

Para o padre Henrique Leconte, da religião católica, a intolerância religiosa só pode ser combatida a partir da conscientização. Apesar de identificar o problema na própria história da construção da religião que aderiu, ele vê nos praticantes a possibilidade de mudança. “A igreja católica foi intolerante durante muito tempo, mas podemos fazer esse sentimento de intolerância acabar. Isso não é se deixar converter, mas é ter respeito total pelo próximo”, acredita. “Já pensou se todo mundo pudesse rezar do seu jeito, mas na hora da luta todos ficassem juntos para brigar pela mesma causa?”, complementou a irmã Júlia Depweg. “Fazemos essa caminhada em prol da liberdade religiosa. Precisamos, no nosso país, estabelecer um estado laico”, lembrou a representante do Comitê Inter-religioso do Estado do Pará ao citar Guimarães Rosa para definir o objetivo da caminhada que tomou as ruas de Belém desde o Ver-o-Rio até a Praça da República.

O evento foi organizado pelo Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab) em alusão ao Dia da Umbanda e das Religiões Afro-Brasileiras, comemorado ontem.


FONTE: Diário do Pará em 19/03/2012

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