Professora acusa alunos de armação em conflito sobre objetos religiosos


A professora acusada por uma aluna de intolerância religiosa depois de suspender, na sexta-feira (23), uma aula do curso de direito da Universidade Estadual de Roraima(Uerr), vai pedir à instituição que a suspensão ou até expulsão de pelo menos quatro alunos que estariam envolvidos no episódio. A informação foi confirmada ao G1 nesta terça-feira (27) por Denise Abreu Cavalcanti Calil, uma das duas advogadas que representam a professora no caso.
A aluna Raymunda Gomes Damasceno Bascom, de 44 anos, diz ter sido vítima de intolerância religiosa depois que a docente, que ministra a disciplina de direito administrativo para os estudantes do 10º semestre do curso, lhe deu dois minutos para retirar da mesa qualquer objeto que não fosse relacionado à aula, pedido não atendido por Raymunda, com o apoio dos demais alunos da turma. A universitária diz que segue uma religião de matriz africana e, por isso, todas as sextas-feiras veste saia branca, blusa azul, colares e adornos na cabeça, e carrega consigo objetos como uma pequena bíblia, uma pequena boneca. Além disso, ela diz que sempre carrega livros, dicionários, frutas e uma caneca para evitar o desperdício de copos descartáveis.
Segundo a advogada, a professora afirmou que os alunos, por uma questão pessoal contra ela, armaram a situação. "Ela nunca foi vestida dessa forma, nunca levou os objetos que ela levou", disse Denise. "A sala de aula tem carteiras normais de braço, essa aluna conseguiu uma mesa e nessa mesa colocou esses aparatos dela." Além de uma boneca enforcada, a advogada citou um cartaz afixado em frente à mesa, no qual se lia "Lei nº 8.666", que faz parte da matéria da disciplina, em alusão ao número 666, popularmente conhecido como o "número da besta".
"Ela não fez esse ato sozinha, fez com o apoio de outros alunos. Isso é uma questão pessoal, não existiu nenhum cerceamento de qualquer liberdade individual assegurado na Constituição Federal", disse Denise. A advogada afirmou que os estudantes usaram a religião como motivo para provocar uma reação da professora e acusá-la discriminação.
"A sua liberdade do exercício do seu direito não pode ser confundida com abuso, e o que houve foi um abuso. Foi um deboche com a professora, com a instituição, qualquer pessoa que tenha uma religião, seja ela qual for a religião, ela segue a sua religião com seriedade, não com deboche."
Denise afirmou ainda que os estudantes não concordam com a rigidez da professora porque ela cobra presença e reprova quem não obtiver a nota mínima e que "quiseram afrontar a professora e criar realmente todo um constrangimento para que ela saísse da instituição". Além disso, a advogada apontou que os alunos tinham o equipamento para registrar o conflito em fotografias, áudio e vídeo e que o grupo buscou a imprensa assim que deixou a faculdade para denunciar a professora. Ela disse também que os estudantes desta turma, em anos anteriores, já tiveram desavenças disciplinares com outro professor.
Comissão de éticaNa segunda-feira (26), o procurador jurídico da Universidade Estadual de Roraima, Israel Ramos de Oliveira, afirmou que a reitoria se reuniu com a professora e que uma comissão de disciplina e ética ouvirá os dois lados do evento para "verificar o comportamento tanto docente quanto discente e verificar o que aconteceu, bem como eventos anteriores e posteriores ao fato".
Segundo Ramos de Oliveira, caso seja confirmado que algum dos envolvidos infringiu o regulamento da instituição, um processo administrativo será instaurado. "A universidade tolera e respeitas todas as formas de expressão religiosas, mas questão não envolveu a vestimenta dela", disse.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça do Estado, da qual Raymunda é funcionária, no Departamento de Cidadania e Direitos Humanos, afirmou que enviou ofício à Uerr requerindo informações sobre as medidas tomadas a respeito da conduta da professora. Ainda de acordo com a secretaria, entidades e grupos de afrodescententes se reuniram na sede do órgão na segunda-feira e programaram um protesto em frente à universidade, em Boa Vista, na próxima sexta-feira.
Segundo Raymunda, as aulas do curso aconteceram normalmente nesta semana.

Alunas negam premeditação
Raymunda sustentou que sempre se vestiu com roupas e sempre deixa objetos pessoais - como uma boneca vestindo um colar com várias voltas no pescoço, miniaturas de panelas pretas e animais, pratos com comida e frutas e uma caneca - sobre sua mesa, e que a sala de aula tem mesas maiores que as carteiras, que ela e outros alunos usam para colocar objetos que não cabem nas carteiras, como notebooks.
Ela admitiu que os objetos em cima de sua mesa não tinham conotação religiosa, apenas seus trajes, mas que a professora não explicitou a que se referia quando chamou sua atenção e ameaçou interromper a aula. "Quando ela disse aquelas coisas, não sei se era só objetos e trajes", disse, acrescentando que "o negócio foi racismo, discriminação e preconceito e tudo junto, eles [professora e universidade] querem desviar o foco, mas não tiro a razão deles porque quem vai se defender diz de tudo".
Ela afirmou ainda que o papel em que imprimiu o número da lei não era um cartaz e continha outras informações, disse que imprimiu o texto "em letras legíveis" e que a professora havia dito, quando começou a ensinar a matéria, que não gostaria que os alunos se referissem à lei pelo número, e sim pelo nome "lei de licitações". Ainda segundo Raymunda, os alunos têm o costume de registrar discussões em áudio e vídeo porque já tiveram diversos problemas com a coordenação do curso.
Uma estudante que preferiu não se identificar disse ao G1 que os alunos gravam o áudio de algumas aulas com gravadores ou celulares para estudar para provas, e que, na sexta-feira, ela havia levado uma câmera semiprofissional que usou em seu trabalho no dia anterior para não deixá-la no carro, com medo de tê-la roubada. Ela negou que a ação dos estudantes foi planejada para registrar uma reação negativa da professora. "Foi um desentedimento na hora, um gritou de um lado, foi uma reação, não tem como dizer que foi armado."
As alunas negaram ter tido problemas com outro professor. "Nós nunca tivemos problema com professor nenhum, de vez em quando alguns deles querem fazer arbitrariedades, e a gente não bate a cabeça", afirmou Raymunda. A outra aluna afirmou que um professor a expulsou da sala sem justificativa e reprovou diversos colegas da turma, mas disse que ele foi afastado, depois que deu aula para o grupo, por causa de incompatibilidade com seu outro emprego.
FONTE: Tribuna Hoje em 27/03/2012

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