Muro de hospital é usado como local de “despacho”


Área Hospitalar – não ponha produtos de umbanda ou lixo nesta esquina. Esses são os dizeres pintados em parte de muro do Hospital das Clínicas, no bairro da Pedreira, em Belém. O texto inusitado reflete a realidade de muitos anos no local que já se tornou um ponto tradicional de despachos, oferendas feitas por algumas comunidades afro-religiosas aos seus santos.
No último sábado, pés de galinha, cabeça de bode, velas usadas e muita sujeira se acumulava de dias anteriores. Na esquina na Avenida Visconde de Inhaúma e Travessa Perebebuí, ainda havia alguidas (tigelas de barro) cheios de comida. Algumas garrafas secas de bebida alcoólica, como vinho e cachaça, também eram encontradas no local. “Sempre teve esses despachos, mas agora está ficando pior e ninguém resolve nada”, criticou Manoel Pontes.
Ao lado do filho Fabrício ele trabalha como vendedor de frutas e circula pelo bairro todos os dias. Quando pode, evita passar pela rua. “O mau cheiro é insuportável. Se não der pra pegar outra rua passamos correndo. Não sei quem bota, nem que horas, só sei que já amanhece esse monte de coisa aí. Acho que deveriam acabar com isso, não é saudável pra ninguém”, criticou.
Segundo o Pai Serginho de Oxossi, este comportamento tem prejudicado a comunidade afro-religiosa da cidade, que vem sendo acusada de depreciação do espaço público e sofrendo preconceito por parte dos moradores da área, incomodados com cheiro e acúmulo de resíduos na esquina. “Lutamos pela preservação do meio ambiente. Nossos despachos são enterrados após 24h e, além disso, os realizamos nos quintais da casa, porque o objetivo é garanti o axé (a paz) da casa”, explicou.
Com medo de que a ação resulte numa generalização da religião afro, ele pretende levar o caso à Federação Umbandista do Pará. “Precisamos marcar uma reunião para que seja esclarecido aos terreiros os conceitos do despacho. Falta informação e por isso muitos estão agindo de forma equivocada. É o tipo de ato que só amplia a intolerância religiosa”, ratificou.
Para Carmen Goes, moradora do bairro, os despachos criam embates que ultrapassam as crenças divinas. “Isso gera confusão com moradores de rua e alcoólatras, que mexem nas oferendas, e depois são reprimidos. A própria polícia finge que não vê e os garis, que deveriam limpar o local, ficam com medo”, afirma. Por isso, ela concorda com a proposta de Pai Serginho de investir na informação. “Levar esclarecimento é sempre a melhor saída para esses problemas, não adianta fazer ou criticar algo sem discutir com todos os envolvidos”, disse.
RESPOSTA
Questionada sobre os inconvenientes que os resíduos trazem à imagem da unidade, a diretoria do Hospital das Clínicas afirmou, através de nota, que foi constatado pelo setor responsável pela administração dos serviços gerais deste hospital, no decorrer dos anos, “o acúmulo de lixo, principalmente restos de alimentos e carcaças de animais, utilizados em manifestações religiosas, em vários pontos da parte externa do muro da instituição”.
Por conta disso, a nota diz que “Mesmo tais problemas não atingindo pontos onde são atendidos os pacientes, o fato de ser o hospital um local para assistência à saúde, focos de quaisquer tipos de dejetos devem ser removidos o quantos antes”.
Enquanto aguarda providências das autoridades responsáveis para sanar o problema, a administração do hospital informou que “providenciou a pintura de aviso, na parte externa do muro que está localizado na Travessa Alferes Costa, aviso sobre a proibição de jogar qualquer tipo de dejeto no local”.
Em relação à solicitação de limpeza na Avenida Visconde de Inhaúma, a Prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) garantiu que esta semana ainda três equipes de limpeza seriam enviadas até o local para fazer a retirada de materiais referentes aos despachos, depositados às proximidades do Hospital das Clínicas Gaspar Viana. A SESAN também ratificou que desconhece que garis tenham restrições à limpeza desses locais.

FONTE: Diário do Pará em 06/04/2012

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