Preservação de terreiros é celebrada em noite de lançamento no Iphan


A identidade e a preservação dos templos afro-brasileiros foram celebradas ontem à noite na Casa Berquó, Barroquinha,sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Na ocasião foi lançada a obra O Patrimônio Cultural dos Templos Afro-Brasileiros (ed. Oiti – 238 páginas). O evento contou com a participação de estudiosos em políticas de preservação cultural, lideranças do povo de santo, autoridades públicas, representantes da OAS Empreendimentos, empresa que patrocinou o livro e pessoas interessadas na temática. De acordo com o superintendente do Iphan-Bahia, Carlos Amorim, a obra é sem dúvidas a publicação mais importante sobre os terreiros de candomblé.

Lugares marcados pelos rituais e cultos aos deuses e orixás, os terreiros são ressaltados hoje como principais pontos de informação sobre a história da sociedade negra no Brasil, conforme especialistas. No entanto, estão cada vez mais ameaçados pela especulação imobiliária, ocupação desordenada e a apropriação de espaços comuns dos terreiros por indivíduos vinculados ao culto. Diante da necessidade de se resguardar esses bens e suas tradições, alguns desses templos passaram pelo processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

“É uma ação contínua do Iphan para acompanhar a evolução do tombamento e de seus efeitos, de trato institucional do governo federal com os terreiros tombados, dada a situação delicada que os terreiros ocupam no cenário das grandes cidades onde estão inseridos. Eles são objeto de ação da especulação imobiliária, sofrem enormes pressões tanto do capital, como do lupém que não tem capital nas áreas dos terreiros”, afirmou.

O primeiro a ser tombado foi o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, Bahia, no ano de 1984. Depois disso mais cinco foram tombados pela União (cinco na Bahia e um no Maranhão), o que ajudou na quebra de preconceitos e resistências. No entanto, os desafios permanecem tanto no olhar da sociedade sobre esses templos, como no avanço das políticas de acautelamento. “O Iphan é capaz de levar a frente esse programa de preservação e a mudança do conceito de tombamento no Brasil se deve e muito ao tombamento dos terreiros de candomblé”, disse. Vale ressaltar que até 1984, o estatuto do tombamento era aplicado restritamente a edificações religiosas, militares e civis com origem luso-brasileira.

As interferências nas áreas dos terreiros foi uma das questões pontuadas pelo presidente da Associação Beneficente da Manutenção e Defesa do Terreiro Tumba Junçara (Abemtuba), Esmeraldo Emetério de Santana Filho. Por causa da ocupação irregular, o templo já teria perdido 45% de sua área. “A devastação das matas e dos rios prejudicam muito os terreiros. É assim que se desenvolve uma cidade matando seu verde e sua cultura?”, questionou, ao citar obras realizadas na cidade que tiveram impacto sobre os rios e suas nascentes. Ele exaltou o tema do livro e o trabalho do Iphan no reconhecimento dos templos. “Esse livro é uma ferramenta que eu tenho para reivindicar (o tombamento) do terreiro, além disso, pode ajudar outros templos também”, disse.

Filha da Casa Branca, Egbomi Nice de Oyá destacou que a preservação do patrimônio contribui para a preservação da própria religião. “Quando o Iphan faz isso nos sentimos mais seguros. Esperamos que esse trabalho cresça, pois cada terreiro tombado dará sustentação a outros também”, disse.

Líder do terreiro Ilê Ase Ode Oluami, no Alto de Ondina, Jidewa d’ Ossôsí disse que as pessoas precisam entender e respeitar os espaços dos terreiros “que tanto defendem a natureza, tendo á água como o primeiro orixá, considerada a mãe de todos”. “Não se reconhecendo ou se respeitando o valor, muitas casas estão morrendo. Que o Iphan continue esse trabalho vencendo os preconceitos e questões burocráticas”, acrescentou.

Uma das autoras do livro, Maria do Rosário de Carvalho disse que o tombamento ajuda não apenas como mecanismo de prestígio para as casas, mas também quando apóia em sua estrutura mantendo e preservando suas identidades. “A integridade patrimonial física é a grande expectativa dessas casas que sempre precisam de socorro”, afirmou.

Conselheira até o ano passado do Iphan nacional, a arquiteta e urbanista Márcia San’tana também disse que apesar dos avanços, o órgão ainda tem uma dívida muito grande com esse tipo de bem cultural. “É preciso que haja uma política nacional de preservação de todo esse universo. Espero que esse livro que o Iphan aqui da Bahia editou tão lindamente possa ajudar nesse processo de deflagração do reconhecimento do valor desses bens culturais”, frisou. No livro o tema apresentado por ela foi “O tombamento de terreiros de candomblé no âmbito do Iphan: critérios de seleção e intervenção”.

As relações do candomblé com as instituições do Estado que lidam com o patrimônio foram algumas das questões pontuadas por Luís Nicolau Parés, do Departamento de Filosofia da Ufba. Segundo ele, há impasses relacionados aos interesses de cada um. “Enquanto o Estado tenta resolver mais as questões políticas culturais, o terreiro quer que sejam solucionadas as questões mais práticas. Além disso, tem um preço que é o risco de interferência da presença de uma instituição na realidade religiosa”, citou.

Objetos sagrados da religião afro que tem sido resgatados nos processos de pesquisa no Departamento de Arqueologia da Ufba demonstram a riqueza presente nessas religiões, que não costumam ser tão evidentes quanto nas outras de origem luso-brasileira. A análise é do arqueólogo Carlos Etchevarne que também escreveu no livro. No artigo ele diz o que deve ser feito quais as linhas a serem seguidas para que se valorizem mais esses bens e que espaços físicos devem ser estudados para se buscar os materiais. Segundo ele, existem poucas pesquisas de materiais de origem africana no Brasil. “Está começando agora o interesse da arqueologia de entender esse mundo africano”, destacou ele, considerando que até o momento os estudos comprovam que a maioria dos que encontrados são de cultos domésticos e de fundo ritualístico.

FONTE: Tribuna da Bahia em 15/06/2012

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