Tacun Lecy lança site de preservação da memória quilombola




Por: Chico Castro Jr.

Em um tempo de absoluta banalização da fotografia, Tacun Lecy faz, desta ferramenta, um uso nobre. É com a máquina fotográfica que ele quer preservar, para as gerações atuais e futuras, a memória das comunidades quilombolas e dos terreiros de candomblé da Bahia. Fotógrafo e assessor técnico do Instituto Mauá, Tacun lança nesta terça, 6, na galeria da instituição, o seu site pessoal, no qual reúne seus trabalhos como fotógrafo e, em breve, também como músico.

"Agora estou mais focado na fotografia, mas estou preparando um show para setembro", avisa.

Nascido Daniel Santiago da Silva Oliveira, 35 anos, pai de dois filhos, ele foi batizado no candomblé (Terreiro Raiz de Ayrá, em São Félix), como Tacun Lecy. "Significa 'aquele que nunca está só'", conta o rapaz.

Multitarefa, Tacun ainda exerce o cargo de axogun no Raiz de Ayrá. "O axogun é o responsável pela consagração dos animais (sacrifício, para não-iniciados) nos rituais. A gente oferece o animal para o orixá. E o orixá oferece o animal para o povo, em uma ceia após o ritual. Não é só matar o bicho. Nada se perde", explica.

Expedições

O curioso é que, na sua origem, Tacun vem de família católica, sem conexão direta com a religiosidade de matriz africana.

Ou quase: "A mãe do meu pai manifestava o caboclo Sultão das Matas, ligado a Oxóssi. Quando isso acontecia, ela fazia caridades, dava passes etc. O que é interessante, pois ela não era iniciada", conta.

Já a sua própria aproximação com o candomblé se deu pela mais legítima das razões: identificação. "Sempre tive curiosidade pelas questões da ancestralidade afro", garante.

A partir de 1999, começou a frequentar terreiros, levado por amigos . "No início, era mais por gosto. Com o tempo, o orixá me escolheu para ser ogã (flho de santo que não manifesta orixás). Em 2009, fui iniciado como axogun Tacun Lecy", relata.

Foi neste mesmo ano que ele começou a fotografar comunidades produtoras de artesanato para o Instituto Mauá. O trabalho rendeu o livro Conversa Quilombola: Artesanato e Tradição do Quilombo de Campo Grande - Santa Teresinha-BA, com organização e prefácio do historiador Jaime Sodré.

"Eu me ofereci para fazer as fotos. Foi um ano e meio de trabalho, mas saiu este ano. No livro estão reunidos os saberes da comunidade deste quilombo em Santa Teresinha (a 201 quilômetros de Salvador). Rezas, receitas, folguedos, tudo", diz.

Para Tacun, os quilombos são "o mais próximo que podemos chegar da África. Cada viagem que faço a um deles, mais perto eu fico da minha ancestralidade. Isso me fortalece", afirma.

Tacun costuma organizar expedições fotográficas aos quilombos: "Lá dormimos, acordamos, comemos e dançamos como eles fazem. Mas não é fácil, não. A reação inicial é de portas fechadas. Só depois ganhamos a confiança deles", diz.

Para ele, as expedições são uma forma de gerar renda às comunidades. "A gente compra tudo na mão deles", conta.

Ele diz ver muita gente fotografando o candomblé, mas "com legendas absurdas. A gente que é do negócio sabe que ali tudo é sagrado", reclama. "O negócio é o seguinte: eu não queria ser um fotógrafo sem um foco, um projeto. Então escolhi os quilombos e o candomblé Nagô por ser filho destas águas. Quero preservar estas memórias em imagens, quero respeito para o candomblé Nagô, pois ele é meio discriminado", conta Tacun Lecy.

"Se fala muito do candomblé Alaketu, do Angola, mas do Nagô, quase não se fala. Dizem que não é 'puro'. Como se o candomblé que se pratica na Bahia fosse puro de alguma forma", defende. "Meu trabalho é uma forma de se pedir respeito e atenção a isso", reitera.

De certa forma, ele tem conseguido. Ficou em segundo lugar no concurso Fotografe o Brasil e já teve duas fotos publicadas no site da National Geographic. "Tacun foi meu aluno em um curso de fotografia documental", conta o fotógrafo e professor João Alvarez.

"O que me chamou a atenção é que ele é totalmente comprometido com o que faz. Seu interesse vai além da estética e é anterior ao interesse pela fotografia. Fora a intimidade que ele tem com seu objeto. Isso é fundamental para um trabalho sólido e profundo", elogia.

Programe-se:

O quê - Lançamento site tacunlecy.com.br

Quando - terça, 6, 18h20

Onde - Instituto Mauá (Rua Gregório de Matos, 27, Pelourinho)
 

FONTE: A Tarde em 05/08/2013 

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